MÃE FEMINISTA

 


            Durante muitos anos desfiei discursos feministas que, na prática, não fui capaz de executar. Foi um discurso vazio, decerto, pela falta da experiência necessária para preenchê-lo. Tenho um pai extremamente amoroso e não possuo irmãos. Tios e primos muito respeitadores. Em meu universo particular sempre fui muito bem acolhida. Desse modo, as mazelas, muitas vezes sutis do patriarcado, só me mostraram as caras com o casamento, gravidez, nascimento do meu filho e divórcio, que foi amigável e para o bem de Miguel, me permitiu ter um bom relacionamento com o pai dele e com sua atual companheira, o que causou um estranhamento imenso numa sociedade que insiste em não compreender qualquer modelo de família que não seja o feliz e perfeitinho das propagandas de margarina. Nunca fui agredida fisicamente, mas um longo relacionamento com variadas oscilações de humor, por vezes, no mesmo dia, e que fazia com que eu pensasse várias vezes antes de dizer alguma coisa que tornasse o clima down, certamente fez um significante estrago no meu psicológico afetando em cheio minha autoestima. O simples poder falar de modo despreocupado o que tinha em mente foi libertador e é o que sustenta minha práxis feminista hoje. Sim, agora consigo costurar muito bem minha fala à minha prática.

            A nova onda feminista com abertura para depoimentos do que outras mulheres vivenciavam, foi fundamental para enxergar o movimento em seu cerne que é coletivo e não individual. Desconstruir discursos de que mulheres eram todas falsianes e que, por isso não devíamos confiar umas nas outras, foi crucial para que eu voltasse a fortalecer vínculos com mulheres fortes, me fortalecendo também. Enfim, voltar meu olhar para as “companheiras de trincheira” fez com que eu exercitasse meu poder de enxergar detalhes do abuso patriarcal que não via antes, o que me possibilitou pensar a vida de outro modo e querer contá-la por meio de contos e por uma dissertação do mestrado de filosofia acerca do silenciamento feminino.

            Li Simone de Beauvoir, Ângela Davis, Judith Butler, Djamila Ribeiro, Márcia Tiburi, mas foi Fernanda Young que, escapando das teorias acadêmicas, clareou meu entendimento ao declarar que “toda mulher que se especializa em não agradar é feminista”. Sou acadêmica e valorizo em todos os graus a pesquisa, mas tem horas em que a fala simples de uma leiga é o que nos arrebata.

            Durante 35 anos de minha vida me especializei em buscar a aprovação externa e foi exatamente o que fez muitas coisas desandarem para mim. A tal busca por pertencimento no mundo precisa primordialmente passar pelo pertencimento de si mesmo. Não lamento que esse autoconhecimento tenha chegado tardiamente na minha última etapa balzaquiana, fico é feliz por ele ter chegado, coincidentemente, não, fatalmente com a chegada de Miguel. Um filho, decerto, faz com que a gente veja o mundo com outros olhos. Não prego, aqui, que todas as mulheres devam ser mães, porque, em definitivo, não concordo com essa máxima, só relato a potência que foi, para mim, a maternidade.

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