BICHO PAPÃO E OS SONHOS
Miguel
uma vez chorou com medo do Bicho Papão. Eu, numa conversa bem franca disse que
esse monstro horroroso só aparecia para quem acreditava nele. Como eu não
acreditava, ele não aparecia pra mim. Então Miguel disse que não acreditava
mais nele e desse dia em diante parou de ter medo. Penso que com os sonhos
também seja assim. Só que a vida passa, a gente cresce e nossos sonhos são
esmagados pela vida real. A vida real é boa, mas chata.
Em
menos de quinze dias recebi a notícia do falecimento da mãe de umas seis
amigas. Se isso tivesse acontecido em alguma história, teríamos a chance de
encontrar algum mago ou bruxa que as trouxesse de volta. Até mesmo porque mãe
não tinha que morrer. Nunca. Mas a vida real tem dessas chatices. Chatices que
doem.
E
dói ter que abrir mão dos sonhos. Porque a vida é boa, mas exige que se tenha
dinheiro para comprar remédio de vez em quando e comida todos os dias. Trabalhar, na maioria das vezes, ocupa o
tempo que passaríamos sonhando. Mas trabalhar é preciso. Sonhar não é preciso.
Sei
que sou privilegiada e tenho muito mais a agradecer do que reclamar. Mas até os
privilegiados, quando crescem, vão deixando alguns sonhos pelo meio do caminho.
Precisam criar responsabilidades de adultos e sonhar soa como um gesto infantil.
Por outro lado, crescemos ouvindo que não devemos deixar morrer a criança que
existe dentro de nós, portanto enquanto alguns sonhos se vão outros surgem.
Surgem porque precisam surgir. Porque a vida precisa ser vivida. E porque a
vida é implacável nos refugiamos no mundo dos sonhos. Como realizar sem
planejar antes? Por isso, feliz de quem transforma suas adversidades e
angústias em música, teatro, cinema, poesia. Em contos e romances que adoçam a
amargura da vida. Que transformam a vida real em arte e faz da arte sua vida.
Está
certo que nosso corpo não sobrevive sem água e comida, mas os nutrientes da
alma são os sonhos. Não sei quem disse, mas concordo que “a arte existe porque
a vida não basta”. Não basta.
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