A ESCOLA MAL ASSOMBRADA
A
escola era ainda mais assustadora vazia no breu da noite. Do lado de fora, as
árvores balançavam projetando sombras horripilantes pelas paredes com tintas
descascadas do corredor que parecia mais longo do que era durante o dia. Mesmo
com medo, Isabela apertou os passos de porta em porta até chegar à última sala.
Estava certa de que era lá que, em poucos instantes, aquele mistério seria
desvendado.
DOIS
DIAS ANTES
O
sinal tocou às 13 horas indicando que em dez minutos o portão da escola seria
fechado. Isabela nunca se atrasava, principalmente quando a primeira aula era
de português. Interpretar textos era seu passatempo preferido. Mas naquele dia,
a menina que sempre passava as aulas vagas na biblioteca devorava um suspense que
não vinha das páginas dos livros de Lovecraft e nem de Edgar Allan Poe.
—
Todos aqui sabem que esta escola foi construída em cima de um antigo cemitério.
– Bruno, sem se importar com o cabelo liso que toda hora cobria-lhe os olhos verdes
pequenos levemente puxados, dizia com a convicção de um historiador internacionalmente
reconhecido deixando seus ouvintes cada vez mais amedrontados. – Então, isso só
pode ser coisa de um desses espíritos que em vida odiavam a escola e que agora
se vê obrigado a morar em uma pela eternidade.
—
O que mais poderia explicar uma borracha cair no chão e nunca mais aparecer? –
Complementou Luís com várias cabeças balançando afirmativamente.
—
E se ninguém estuda na nossa sala na parte da manhã – questionou Isabela – como
os livros que deixamos lá em um dia, podem não estar no outro, e voltarem a
aparecer no seguinte.
—
Só tem um jeito de a gente resolver isso. – Bruno retomou a palavra. –
Permanecendo na escola depois do horário.
—
Como vamos driblar a inspetora? – Indagou Isabela.
—
Basta ter coragem para ficar escondido no banheiro com tudo apagado depois que
a diretora trancar a escola. – Respondeu Luís como se passar a noite na escola
fosse a coisa mais normal do mundo.
—
Você só está se esquecendo daquela parte em que precisamos voltar pra casa. –
Ironizou Isabela.
—
Se o problema é esse, está resolvido. – Finalizou Bruno. – A gente pula o muro.
Ou não são corajosos o suficiente?
—
Claro que sou. – Confirmou Luís antes que sua masculinidade de garoto com o topete
mais popular da escola fosse colocada à prova novamente.
—
Eu também estou dentro. – Disse Isabela com a voz mais firme que conseguiu
emitir.
—
Aaaahhhhh!!!!!!!!!! – Os três gritaram.
—
Maldito lagarto. – Esbravejou Isabela se desviando do réptil que lhe dava
calafrios.
—
Aposto que é o animal de estimação da alma penada que resolveu assombrar logo a
nossa escola. – Completou Luís.
—
Vamos, que a dona Mercedes já vai fechar o portão. – Finalizou Bruno.
Então,
os três correram e adentraram a escola mal assombrada.
*
Na
aula de português, Isabela, com os olhos bem redondos cor de mel vidrados na
explicação, parecia a única da turma a se empolgar com tudo o que a professora
falava. Tinha o cabelo ondulado até o meio das costas. Era baixinha e parecia
ainda mais magrela na saia drapeada de uniforme. Em matemática, achar o x na
equação com uma incógnita era o maior mistério a ser solucionado por Luís e
Bruno. Na quarta de seis aulas que teriam naquela tarde, a disciplinária pediu
licença à senhora Elza para avisar que os alunos da 703 sairiam mais cedo, pois
o professor de ciências havia faltado. A turma vibrou de alegria, só os três
investigadores é que ficaram frustrados por terem que deixar para o dia
seguinte, seu plano infalível de caça fantasmas.
*
No
dia seguinte, à hora do recreio, partilharam biscoitos e sucos enquanto
ajeitavam, num canto bem isolado do pátio, a toalha branca que Isabela
conseguira levar sem o conhecimento da mãe, as letras do alfabeto que Luís
tinha de um jogo antigo e o copo de vidro virgem que Bruno comprara na lojinha
de 1,99 de seu bairro. Estavam prontos para conversar com o espírito espevitado
através da “brincadeira do copo”. Deram as mãos, fecharam os olhos e ficaram um
tempo mudos se concentrando.
—
O que temos que falar pra atraí-lo? – Luís quebrou o silêncio.
—
Não eram pras nossas mãos estarem no copo? – Questionou Isabela reposicionando
as mãos em cima do copo que fora colocado de cabeça para baixo com os amigos
sobrepondo as deles sobre a sua.
—
Alma fantasmagórica que assombra o colégio Liceu – Invocou Bruno – mova o copo
se estiver aqui.
—
Só queremos ajudá-lo a descansar em paz. – Complementou Isabela.
Fecharam
novamente os olhos e esperaram. Então o copo se moveu. Os três espiaram e
berraram. De perto, o lagarto era ainda mais assustador. O coração demorou a se
acalmar depois que o escamoso seguiu seu caminho. O sinal bateu indicando o fim
do recreio. Recolheram as coisas e subiram a escada, certos de que não era
daquela forma que encontrariam a tal alma penada.
*
Enquanto
a professora de História passava no quadro algo sobre a Idade Média, Isabela
viu uma bolinha de papel aterrissar na sua carteira. Desembrulhou-a embaixo da
mesa com cuidado para que senhora Ivana não visse.
Lembrou de falar com
tua mãe que ia pra minha casa fazer trabalho de geografia depois da aula? De
hoje não pode passar, último dia de lua cheia, não sei se funciona com
fantasmas, mas não dá pra arriscar esperar até a próxima. Do banheiro
seguiremos direto pra sala onde guardam as cadeiras quebradas. Só pode ser lá
que ele vive. Quer dizer não vive mais, já que já está morto. Ah, você me
entendeu.
Bruno.
Ps: Já confirmei com o Luís. Por
ele tudo ok.
A
professora ainda estava de costas quando terminou de ler, então virou-se para
Bruno e fez um sinal de joia mostrando que não ia amarelar.
*
Aproveitaram para se infiltrarem na
multidão desesperada para se ver livre da escola e andando na direção
contrária, foram para o banheiro. Bruno e Luís para o de meninos e Isa para o
de meninas. Ao escutar os passos de dona Mercedes, Bela entrou para uma cabine,
encostou a porta e subiu no vaso para dar a impressão de que estava vazia.
Ficou imóvel até ela confirmar que não havia ninguém, apagar a luz e ir
verificar o masculino. Trincou os dentes de raiva quando a ouviu dizendo “O que vocês dois estão fazendo aqui? A aula
já acabou. Quase ficam trancados no colégio.” Eles nem tentaram argumentar,
pois sabiam que poderiam denunciá-la no nervosismo das palavras. Esperou que se
afastassem. Respirou fundo e soube que estaria sozinha pra encarar a
assombração.
Esgueirou-se
pelos cantos até subir a escada que levava para as salas do segundo andar. A
escola era ainda mais assustadora vazia no breu da noite. Do lado de fora, as
árvores balançavam projetando sombras horripilantes pelas paredes com tintas
descascadas do corredor que parecia mais longo do que era durante o dia. Mesmo
com medo, Isabela apertou os passos de porta em porta até chegar à última sala.
Estava certa de que era lá que, em poucos instantes, aquele mistério seria
desvendado.
Fez
uma reza para benzer e fechar seu corpo e abriu a porta bem devagar espiando as
pilhas de cadeiras e carteiras velhas amontoadas umas nas outras. O cheiro
forte de madeira aumentava à medida que ela, cautelosa, adentrava a sala
abandonada. Ouviu um espirro baixo vindo do canto dos fundos e foi como se um
ímã a puxasse para espreitar. A não ser que espíritos também ficassem gripados
ou desenvolvessem alergia a poeira, não era um que estava lá. Acender a luz,
chamaria a atenção de quem estivesse passando pela rua, então pensou que o
melhor era usar a lanterna do seu celular. Deu um berro que ecoou ao iluminar a
cara de uma pessoa escondida atrás de uma mesa. Ia sair correndo quando o rosto
lhe ficou familiar. Voltou e perguntou com voz calma:
—
Glorinha?????
*
—
Caso solucionado! – Orgulhou-se Isabela ao narrar o que acontecera para Bruno e
Luís.
—
Quer dizer que o fantasma era a merendeira? – Surpreendeu-se Luís.
—
Mas o que ela fazia lá? – Indagou Bruno.
—
O marido a expulsou de casa. – Iniciou Isabela. – Glorinha não tinha para onde
ir, a família dela não é do Rio. Envergonhada de pedir ajuda à diretora,
resolveu se alojar na escola até conseguir juntar dinheiro pro primeiro mês de
aluguel. Para se distrair, pegava alguns
livros pra ler até pegar no sono.
—
Mas não dá pra ela continuar assim. – Penalizou-se Bruno. – Precisamos
ajudá-la.
—
Acha que já não pensei nisso? – Prosseguiu Isa. – Arrisquei que minha mãe me
livraria de um castigo por ter mentido sobre o trabalho já que a causa era
nobre. Liguei pra ela. Contei tudo. Ela ligou pra diretora. Elas vieram aqui e
nos levaram pra casa, mas antes sugeri que fizéssemos uma campanha no colégio.
—
Isso aí. – Empolgou-se Luís. – Além de uma quantia em dinheiro, podemos ver comida,
roupas, produtos de higiene e até móveis que já queríamos um motivo para trocar
por novos.
—
E livros! Lembraram Bela e Bruno em uníssono.
—
Aaaahhhhh!!!!!!!!!!
Os
três gritaram ao se assustarem com o lagarto e correram para dentro do colégio antes
que dona Mercedes fechasse o portão.
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